quarta-feira, 8 de julho de 2009

Capítulo 1, pt 2 - Chuva à saideira

Glubp...após mais um gole, deixei de escutar os devaneios daqueles dois, pura perda de tempo prestar atenção na conversa fiada de dois bêbados acabrunhados. Tomei em mãos subitamente a minha pasta e o velho guarda-chuva, só o que queria era ir para casa, e passar mais uma madrugada em claro, pensando como são felizes as pessoas que deitam e dormem.

- Esdras, põe esse drink na conta...
- Que conta Marcos? A que tu não pagas há seis meses?
- Já disse que assim que sair o dinheiro do projeto eu pago.
- A tua sorte Marcos, é a consideração que eu tenho pelo teu finado pai, a sorte...

O velho Esdras é um dos moradores mais antigos, ainda vivo, da cidade velha. Mora a vida toda no casario onde, no porão, construiu um bar, na verdade um boteco, na verdade um poleiro. É um velho amigo da família, acompanhou os tempos de fortuna de meu pai, assim como sua derrocada, por causa dos jogos, mulheres e bebidas, causa que leva a falência muito mais comumente do que os altos e baixos da bolsa de valores. Todas as histórias sobre o centro de Belém que conheço, ouvi da boca do velho Esdras, que por conta de um tiro que levou em uma tentativa de assalto ao bar, balbucia as palavras de forma ininteligível para quem ainda não está acostumado.

Ao primeiro passo que dou na calçada, a chuva aumenta absurdamente, o que me faz desistir de tentar me proteger, considero a hipótese de correr, mas percebo que não fará a mínima diferença, haja visto que não faço isso desde os tempos de universidade, quando precisava dar piques de atleta olímpico para alcançar o Guamá-Pte Vargas, agora os tempos são outros. Já chegando próximo de casa, apresso o passo, não agüento mais estar vestido e molhado, quando escuto aquele estalo: crack, olho pra baixo e percebo que acabo de pisar em uma barata cascuda, e quando falo cascuda, refiro-me àquelas que mais parecem uma tartaruga, de tão resistentes que são, essa por exemplo, mesmo após o pisão, saiu rastejando de um lado a outro da calçada, até que entrou no primeiro bueiro que encontrou.
Lembrei imediatamente do maldito projeto que tenho desenvolvido nesses últimos dois anos por encomenda de uma empresa norte-americana de produtos agrícolas, tenho estudado a relação química dos insetos que podem atacar uma lavoura, quais características nas substâncias os atraem e quais os repelem. Ainda não consegui chegar a uma fórmula realmente eficaz e sinceramente, acho que não passei os cinco anos na federal, mais os quatro no mestrado em Tóquio para estudar insetos, seres insignificantes e patéticos.

Enfim chego em casa, e depois de subir as escadas do velho casarão, bem ao estilo da Cidade Velha, deito no chão de tacos ainda vestido, e fico lá por 15 minutos, até que passa a preguiça, e resolvo tomar um banho quente. Como todo o resto da casa, percebo que o chuveiro está quebrado e não consegue aquecer a água, eu já esperava por isso, afinal quando se está nesses dias de sorte, tudo acontece. Banho tomado, chega a hora do jantar, o mais próximo disso que havia na geladeira era uma fatia de pizza dormida, sabor lombinho canadense.

Com a habitual falta de sono, acostumei-me a acompanhar toda a programação da TV na madrugada, e fico muito grato por eles passarem apenas filmes de madrugada, nada de novelas ou programas apresentados por loiras bonitas e sem conteúdo. Os clássicos? Já assisti todos, não existe um Kubrick, um Hitchcock ou um Scorsese que eu ainda não tenha visto pelo menos duas vezes. Vai chegando a manhã... duas, três, quatro, cinco horas e finalmente o sono vem, pena que tenho que acordar daqui a uma hora pra ir trabalhar, como eu disse, ser um insone não é fácil.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Capítulo 1, pt 1 - Chuva à saideira

Como é difícil ser um insone nessa cidade pateticamente provinciana. Os bares, botequins e qualquer outro tipo de espelunca, tornam-se cada vez mais vitrines, onde os filhos abastados dessa sociedade suja e hipócrita de Belém mostram-se aos de sua própria espécie, enquanto que eu, um desajustado, um marginal, não tenho onde tomar o meu scotch e fumar o meu cigarro em paz. Ainda bem que os inferninhos da Cidade Velha e do Comércio ainda perduram, lá posso repousar toda a frustração de mais um dia de trabalho enfurnado em um laboratório cheio de pessoas preocupadas demais, inteligentes demais, ambiciosas demais, presunçosas demais. Ainda que hoje seja uma noite de quarta-feira chuvosa, como praticamente todas o são neste mês de abril, preciso definitivamente de uma dose. Uma não, duas. E sem gelo.

Bares são a última opção pra se desanuviar a mente, esquecer os problemas – escutando conversas fiadas de pessoas que não levam sorte ou na vida amorosa ou na profissional. Na Cidade Velha então, onde todas as lendas do setor se conhecem e se reúnem periodicamente para atualizar a vida social numa boa rodada de cerveja, baforadas e baralho, a divagação, em especial a minha, se torna mais profunda.
Apesar da chuva e de minha pasta de documentos altamente confidenciais estar completamente molhada, simplesmente me joguei no balcão me desfazendo do meu guarda chuva furado e me apoderei do copo que o garçom centenário me passou. Não queria falar, não queria prestar atenção em nada, não queria arriscar uma corrida para casa em meio aos pingos que castigavam as construções antigas que as ruas estreitas situavam. O meu dia fora tenso, muito trabalho, muitas teorias, mais de cinqüenta tecladas por segundo pra terminar um relatório completamente desnecessário sobre a vida em comunidade de insetos. “Pra quê?” reverberava meu pensamento frenético, porém desatento a toda hora, “já não estudaram isso antes? Trabalhamos com química, não com sociologia biológica.” Aquilo simplesmente não entrava na minha cabeça.
Após um gole demorado e muito bem degustado senti a queimação, o que de algum modo me apurou os ouvidos. Dois senhores que disputavam uma tensa partida de bilhar, localizada ao lado direito do balcão em meio a risadas, farpas e conversa sobre a vida alheia, comentaram sobre uma estranha movimentação de mercadorias no mercado Ver-o-Peso.

– Engraçado. Ontem, quando o Jorge do Pescado foi pegar o carregamento dos peixe pra barraca dele e do Zé, ouviu um barulho distante, próximo ao posto e quando conseguiu organizar as caixa viu uns “dôtor” atracando no porto com uma jangada... tinham umas caixa que diziam que a carga era frágil, mas eles “descarregarum” sem muito esmero sabe?

– É, tô sabendo dessa história. Lá perto da barraca da Cininha era só isso que se falava. Algumas caixa vazia foram deixadas lá perto de onde ela põe os cheiro dela. Sei que parece que não cheirava muito bem não... será que é um novo produto que eles tão bolando? – indagou o senhor rechonchudo com um boné surrado.

[...]

quinta-feira, 30 de abril de 2009

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Ficção Pura.